JORNAL
OPINIAO
MARÇO
DE 64, 25 ANOS DEPOIS
Belo
Horizonte, de 26/3 a 1/4/89.
Esquerda e
Direita confessam: a revolução de 64 foi um equivoco
Francisco de
Assis Pinheiro;
Antes de assumir, Castello Branco garantiu que somente ficaria na
Presidência até as eleições marcadas para 65.
Dois caminhos de mesma viagem. A viagem que começou a 25 anos, no dia
31 de março de 1964, num trem que os maquinistas tentaram descarrilar e que
hoje, a poucos meses das eleições diretas para Presidente, o povo faz voltar
aos trilhos. A história e assim: um trem que segue um caminho tortuoso, com
longos túneis escuros e passagens turbulentas e perigosas. Mas o trem de ferro,
imagem forte da paisagem mineira, segue o rumo da esperança. O Coronel Jose
Geraldo de Oliveira, ex-comandante da PM, conta o seu lado, reconhecendo
descaminhos com rara honestidade. No vagão popular, o ex-líder dos bancários de
Belo Horizonte, Antonio Faria, cultiva paciência e renova a sua fé. Valeu a
pena?
Coronel Jose
Geraldo: o erro
“Foi um engano. Foi um lamentável equivoco. Se eu soubesse que o
movimento de 64 iria dar no que deu, no que vejo hoje, não teria tomado parte
dele. Jamais faria o que fiz outra vez. Durante dois anos preparei a Policia
Militar de Minas Gerias para uma Revolução que vencesse a corrupção e a
subversão.
Hoje, 25 anos
depois, sei que o que aconteceu foi um golpe. O movimento nos conduziu a aquilo
que temíamos. A Corrupção tomou conta de Minas e do Brasil. Fomos meros
serviçais dos magnatas. A cada dia eles se tornaram mais ricos e o povo ficou
cada vez mais pobre”.
A importância deste depoimento deve-se ao fato de ser do Coronel Jose
Geraldo de Oliveira, Comandante da Policia Militar de Minas Gerais de 1962 a 1966, um dos mais
importantes lideres militares do movimento de 1964. Para que se tenha uma idéia
da importância da PM de Minas naquela época, basta lembrar que a corporação
contava com um efetivo de 20 mil homens bem treinados, enquanto que o Exercito
não dispunha de mais do que 4 mil soldados em todo o Estado, a maioria rapazes
que protestavam o serviço Militar Obrigatório.
Magalhães
Pinto conspira
Foi em março de 1962 que o Coronel Jose Geraldo de Oliveira assumiu o
Comando Geral da PM mineira. Em sua primeira conversa com o governador
Magalhães Pinto, sua missão ficou bem clara: “estou convencido de que o Brasil
não sairá da situação em que se encontra a não se pela força das armas,
portanto prepare a PM para isto”, avisou o governador, segundo relata o
Coronel. “Fiquei orgulho por que sentia que, mais do que um comandante da PM,
surgiria diante de mim uma missão da maior importância”, recorda-se o Coronel,
revelando que, a partir daquele momento iniciou um longo trabalho de preparação
do golpe.
O Coronel Jose Geraldo de Oliveira, hoje um pacato chefe de família,
com 75 anos, pai de 11 filhos e com 30 netos, morador em uma casa modesta no
bairro Santa Efigênia, Belo Horizonte, não pensava em golpe militar. “estávamos
convencidos de que tratava-se de uma Revolução – garante ele – única forma de
tirar o pais da situação em que estava. Aceitei minha missão com a consciência
voltada para o velho ditado romano – “salus populi, suprema lex est”: a
salvação do povo e a lei suprema”.
Para ele o descaminho começou com a renuncia do Presidente Jânio
Quadros: “Foi o maior desserviço que um cidadão já pode prestar a Pátria;
traição mesmo”. Com a ascensão de João Goulart ao poder e o crescimento das
forças populares, de esquerda, o clima esquentou. As denuncias acumuladas de
corrupção, desde governos passados, forjaram o comportamento de muitos
militares, segundo o Coronel.
Providencial
Missão
Desde o aviso do governador Magalhães Pinto, o Coronel Jose Geraldo de
Oliveira não teve mais descanso. Percorria centenas de municípios mineiros,
visitava batalhões, fazia preleções, enfim “preparava os espíritos de oficiais
e soldados para a providencial missão da PM, o destino glorioso de um dia
podermos oferecer a nossa vida pela pátria”, como ele próprio relata.
Ao assumir a PM, o Coronel controlava um contingente de 10 mil
soldados. Dois anos mais tarde, em abril de 64, a tropa havia duplicado.
Além do aumento em seus quadros, a PM mineira crescia em unidade de pensamento
revolucionário e em sua forte disciplina hierárquica. O próprio general Carlos
Luis Guedes, Comandante das Tropas Infantaria Divisionária 4, a ID-4 de Belo Horizonte,
dizia ao Coronel Jose Geraldo que a tropa de combate seria a tropa da PM. “Nas
tropas armadas – lembra o Coronel – havia muitos problemas. Havia comandos
revolucionários e comandos leais ao presidente João Goulart. Em 63 já era
visível a inversão da hierarquia nas Forças Armadas em vários pontos do Pais.
Sargentos e cabos desrespeitavam ordens de oficiais. Pelo contingente e pela
disciplina, eu sabia que cabia a PM um importante papel na Revolução. No dia
marcado, por exemplo, o 11º. Regimento do Exercito, de São João Del-Rey,
marchou sem 60 sargentos, cabos e soldados. A unidade militar de Três corações,
inteira, não aderiu”.
Tiradentes – a
senha
“Falar sobre revolução e fácil, fazê-la e que é difícil”, lembra o
Coronel Jose Geraldo, ao descrever a marcha que detonou o movimento de 64: “No
dia 28 de março de 64 participei de uma reunião em Juiz de Fora, onde o general
Olimpio Mourão Filho, Comandante da 4ª região Militar, o general Guedes e
outras autoridades discutiam a gravidade da situação. Naquela noite eu falei:
Se vocês querem fazer a revolução, tem que ser já. Eu, que preparava a PM há
dois anos, imaginava que os planos do Exercito estivessem claros e definidos.
Eu queria ouvir do general Mourão Filho a definição de quando seria detonado o
movimento, qual era a missão da PM, coisas assim. Pedia-lhe um prazo de 24
horas para recolher os soldados de todo o Estado aos quartéis. O general
manifestou hesitação e me respondeu: O Senhor faça como achar melhor”.
No dia 29, o coronel Jose Geraldo chamou a sala do Comando o chefe de
seu Estado Maior. Coronel Afonso Barsante. Eram 6 horas da tarde e a ordem era
distribuir a todos os comandos um envelope lacrado, contendo os planos e
missões de cada unidade. Os envelopes só poderiam ser abertos quando viesse a
senha do Comandante: “Tiradentes e nosso patrono”. O dia 30 amanheceu com a PM
ocupando todos os depósitos de combustível de Estado e requisitando todos os
meios de transporte em circulação, caminhões e ônibus.
‘Quando reuni o Alto Comando e anunciei nossa missão, muitos se
surpreenderam. Eu guardava forte segredo do assunto. Mas um oficial começou a
rir. Dei um soco na mesa e adverti que não estava brincando: ou assumia ele a
missão, ou seria até fuzilado”, lembra o Coronel.
Magalhães não
assumiu
Para o Coronel José Geraldo de Oliveira, tudo começou a falhar no
próprio dia 31. “Foi uma surpresa o sucesso da operação. Estávamos preparados
mesmo para uma guerra e isto não aconteceu. A noite, muitos populares já
comemoravam a vitória em frente ao Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. Eu
conversava com o governador Magalhães Pinto, no jardim do Palácio e lhe dizia:
assuma a presidência, Magalhães. Mas ele disse que só o faria com o apoio total
das Forças Armadas. E não quis ir buscar este apoio em Brasília. Ai as coisas
começaram a seguir outros rumos afirma.
O Marechal Castello Branco, antes de assumir, reuniu-se com lideranças
políticas e garantiu que somente ficaria na Presidência até o dia das eleições
marcada para 65. A
Juscelino Kubitschek, ele garantiu: “estas mãos não assinarão a sua cassação”,
relata o coronel. O regime militar durou 25 anos e JK foi um dos primeiros
políticos a ver casados dos seus direitos políticos.